Cinza.
Era assim que ela estava, cinza. Por mais que quisesse sentir o vento no rosto, a velocidade não era suficiente, as flores não tinham cores, parecia filme preto e branco, tudo assim, cinza. O sol aparecia, a menina tentava sorrir, mas não sabia, passava os dias inteiros sem interagir com o bom humor matinal de uma manhã ensolarada. As vezes, os filmes de comédia lhe arrancavam um som baixinho do fundo da garganta, mas um sorriso que era bom... nada.
Elogios nunca lhe eram feitos, os meninos riam quando ela passava com seu saquinho de lanche na hora do recreio, sua voz se perdia na gritaria da sala de aula, e quando deitava a cabeça no travesseiro para dormir, sonhava em ser a princesa do conto de fadas.
Nunca ninguém a olhava, mas ela conseguia observar a todos, cada detalhe, cada fio de cabelo repuxado ou um olhar mais quente. Todos os dias, a família se reunia pra jantar, contavam piadas, ouviam as novidades de cada filho e riam a beça, até a garrafa de coca-cola acabar. Em uma dessas noites, a menina não desceu pra jantar, ficou em seu quarto e sua mãe preocupada, foi levar um prato de comida e lá a menina estava, sentada na cama, só com uma luz acessa, os livros do lado e os olhos presos à tela do computador.
Realmente ele era lindo, parecia um príncipe, sem marcas no rosto, bem vestido e dava pra sentir o cheiro daquele perfume do outro lado da tela.
Sem querer interromper a menina, a mãe deixou a bandeja com a comida ainda quente em cima da mesa, olhou para o espelho que refletia a menina e percebeu, que bem de leve seus lábios não estavam mais rígidos, no cantinho esquerdo um sorriso começava a se formar, as maçãs começaram a ficar rosinhas e aquele olho sem vida, começou a brilhar.
A mãe pos a mão no peito, deu um sorriso, se sentiu aliviada e virou as costas, enquanto isso, a menina começava a ganhar cor, cores de todos os tons, seus sonhos de todas as noites estavam virando realidade. Ele era real, o carinho por ela, era real! Tudo tão real, que quando a menina acordou, começou a chorar. Não queria acordar, se olhou no espelho e continuava cinza, sem maçãs rosadas, sem brilho no olhar e sem sorriso no rosto.